segunda-feira, 8 de março de 2010


A fase medieval do antigo mosteiro de Rates constitui um dos mais importantes capítulos da arte românica em Portugal. A sua importância na história monacal nacional, as relações que então estabeleceu com os poderes dirigentes e a relevância das formas arquitectónicas e escultóricas aqui empregues fazem deste monumento um verdadeiro caso de estudo, cujas conclusões ultrapassam, em muito, o mero conteúdo monográfico e reflectem-se em toda a produção românica do nascente reino de Portugal.


As suas origens antecedem, todavia, a nacionalidade. A lenda perpetuou a existência de um estabelecimento cristão patrocinado por São Pedro de Rates, mítico primeiro bispo de Braga, hipótese que, como foi demonstrado, remonta essencialmente ao século XVI (GOMES e CARNEIRO, 2003, p.218). Os vestígios materiais mais antigos identificados no local recuam à época romana, designadamente fragmentos de Sigillata Clara (REAL, 1982, p.9, nota 11), mas os elementos que podemos relacionar com a igreja datam já do período asturiano-leonês. A partir do estudo de Manuel Luís Real (1982, pp.7-12), foi possível concluir pela existência de uma fase construtiva verificada entre os finais do século IX e os inícios do seguinte, a que correspondem numerosos fragmentos, entre os quais aximezes, um capitel prismático vegetalista e um altar decorado com cruz. Nas recentes escavações, o conhecimento acerca do templo pré-românico alargou-se a outros elementos, casos de um aparente ante-corpo ocidental (GOMES e CARNEIRO, 2003, p.242), provável narthex do templo pré-românico. Nesta parte do edifício, foi encontrada uma estela romana, posteriormente cristianizada pelos séculos VI-VII (IDEM, p.255) e, ainda depois, reaproveitada na fase pré-românica.

O edifício de tradição asturiana foi totalmente substituído nas centúrias seguintes. Nos finais do século XI, o conde D. Henrique promoveu a renovação do templo, monumento de que restam também importantes vestígios, apesar de também profundamente alterado nos séculos XII e XIII,. "Em traços gerais, seria uma igreja com planta de três naves, cinco tramos e transepto. A cabeceira aproximava-se muito da actual. O mesmo se pode dizer da volumetria do edifício" (REAL, 1982, p.14).

A construção românica propriamente dita iniciou-se no segundo quartel do século XII. Ela desenvolveu-se ao longo de um século, com avanços e recuos próprios de um estaleiro de longa duração, cujos trabalhos entraram pelos conturbados tempos de finais do século XII. Graças aos estudos de Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1975, 1978, 1986 e 2001), podemos equacionar a existência de três momentos da construção românica, os dois primeiros marcados por assinaláveis recursos, e a que se deve o essencial da construção (incluindo as fórmulas decorativas da cabeceira e portal lateral Sul). No período de crise do reinado de D. Sancho I, quando as fronteiras do reino se encurtaram perigosamente, o estaleiro perdeu fulgor e o programa construtivo e decorativo da fachada principal foi reduzido, reaproveitando-se aduelas concebidas para o portal nas arcadas das naves.

Os avanços e recuos das campanhas românicas conferem ao monumento um estatuto ímpar, multiplicando-se as influências estilísticas, de Braga, de Coimbra, de França (Borgonha), etc. O programa iconográfico do portal principal, apesar de drasticamente reduzido, é um dos mais completos do nosso românico. No tímpano, Cristo envolvido por mandorla, é ladeado por dois profetas que espezinham duas outras figuras, que Ferreira de Almeida entende representarem "sem dúvida, Judas e o herege Ario" (ALMEIDA, 2001, p.157). No portal lateral Sul, o tímpano é envolvido por um arco cairelado e ostenta um Agnus Deiacompanhado pelos símbolos dos Evangelistas.

Muitas transformações aconteceram ao longo da História do mosteiro, que haveriam de culminar com o restauro efectuado pela DGEMN, o qual logrou reconstituir a cabeceira original, tripartida, escalonada e de planta semicircular.

Um Abraço Galaico

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